Monday, January 21, 2008

O Bêbado e o Vigário


O bêbado e o Vigário!


O moço sempre fora extremamente sensível, sentimental, amoroso, uma manteiga derretida. Mas, naquele sábado, exagerara um pouco no álcool e, para chorar, não fora preciso muito, uma barata morta e a torneira das emoções estava aberta...
O avô acamado, acometido pelo Mal de Alzheimer, não o reconheceu... um prato cheio para as lágrimas fluirem aos baldes.... e insistia em perguntar:-- Vô, o Senhor sabe quem está aqui? Disse isto dezenas de vezes. Nada. Nenhuma sílaba, nenhuma palavra, apenas um grunhido, um gesto com a língua, pra lá e pra cá.... uma expressão de impotência e cansaço.... os olhos embaciados, opacos, enxergando apenas o vazio da alma! O rapaz estava inconformado, desesperado, o choro era incontrolável, convulsivo! O avô nem se movia!
Naquele sábado o avô receberia a Santa Eucaristia . A avó, Chiquita, como era carinhosa -mente chamada D Francisca, face marcada , vincada pelo sofrimento , mas, mulher guerreira, companheira incansável, na alegria – eram parceiros musicais- e na dor, fiel enfermeira há mais de quatro anos, já havia providenciado todos os detalhes: Santos dos quais eram devotos, Nossa Senhora Aparecida , Maria, Jesus, o Santo Rosário na parede, os castiçais de Anjos e Arcanjos com as velas acesas ..tudo impecável...aguardando apenas o Vigário para celebrar o Santo Sacramento.
Quando o rapaz viu o vulto das vestes sacerdotais brancas, saiu correndo, ainda em prantos, para outro aposento...era ateu, fugia de Padre como o Diabo da cruz... e, num pulo só, escafedeu-se! O Padre, velhinho, carinhoso, tinha um ar de Santo, e os olhos cheios de amor—não por acaso, chamava-se Tranqüilo . Chegou, cumprimentou a todos com um largo sorriso, baixou-se para beijar seu Edgar, e deu início à celebração. Estavam rezando o Pai Nosso quando chegaram os demais netos que vieram visitar o avô, como era de costume.

Entraram silenciosamente, e viram o primo ali, deitado, aos prantos.... o cheiro de vela, a reza, os santos... Meu Deus!!!
Aí foi um fuzuê, uma muvuca, um pandemônio.... uns choravam...outros corriam para o pé de erva-cidreira, uma gritaria geral...um espanto para toda vizinhança...só abrandado quando o Santo Padre – agora também assustado, chegou para saber o porquê de tamanho alvoroço. ...
Os netos, atônitos, perguntavam -- meu avô está bem? Sim, respondeu o Santo Padre, ele está santificado, acabou de receber a comunhão...—o quê, perguntou o bêbado...a extremunção? -- Não meu filho, a Santa Comunhão, o corpo e o sangue de Cristo! Agora Cristo está nele e ele está em Cristo...
--Ma, ma, mas ele está vivo? Inquiriu apavorada a neta mais nova...
Sim, está vivo! Vivíssimo!!!
Um coro uníssono bradou --inclusive o ateu-- : Graças a Deus!!!!
O velhinho continuava lá, em seu leito... morto para as coisas do mundo...alheio às coisas de Deus!

Benvinda Palma

6 comments:

Dora Dimolitsas said...
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Dora Dimolitsas said...

Benvinda querida como não poderia deixar de ser o blog é todo
perfumado com o cheiro do seu encanto.

O Conto efoca bem está doença que infelizmente ainda depende de permição e liberação das celulas tronco, infelizmente depende disto para este tipo de mal ser tratado muito importante.Muito bem feito e bem descritivo parabéns querida.
Abraços da amiga Dora

quanto os seus Pais querida
são umas gracinhas e entendo bem
a vida que tem
minha sogra tinha vida semelhante.

virgínia além mar floresta vicamf / said...

adorável escritora querida Benvinda - Ben-te-vi Poeta !
parabéns nesta estréia
quero mais !
abraço afetuoso tua virgínia

Unknown said...

Bemvinda querida!!

Este teu conto está maravilhoso!! Como é que ainda não estavas escrevendo contos mulher? És uma contista de mão cheia!
Adorei a maneira delicada e até bem humorada de lidar com um assunto que seria depressivo sob a caneta de outrem! O conto é tão bom que a gente lê de um fôlego só! Adorei!
Parabéns amiga por mais este talento!
A propósito! Teu blog está um luxo! As cores estão muito bem escolhidas! passam uma idéia de extrema feminilidade o que aliás, combina com a dona.
Beijos!!!

Anonymous said...

Lindo conto de estréia! E o que é melhor, foge àquelas narrativas prolongadas, que fazem o leitor desistir no meio do caminho. Uma história comovente e ao mesmo tempo engraçada, ilustrada com extraordinário bom gosto. A escolha da foto não poderia ter sido melhor. Um belíssimo casal! Parabéns, minha amiga! Continue a escrever, pois talento é o que lhe sobre!
Beijos na alma.
Goreti

Veneranda said...

Bê, que você tem talento de sobra para as artes literárias não é segredo para mim mas, acostumada a ler-te em versos, surpreendi-me com essa narrativa em prosa.
Texto delicioso, envolvente, leve... aventure-se por essa vereda pois você já sabe por onde ir!
Perfeito amiga!

Bjão... te amo!